Vamos comer uma tâmara no SAARA?
Comissionada para a exposição “A casa é sua: migração e hos(ti)pitalidade fora do lugar” (Paço Imperial, Rio de Janeiro), a intervenção de arte pública de Marcos Chaves consistiu em plantar uma tamareira “migrante” na única praça triangular do Saara – ou a SAARA, sigla da Sociedade de Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega –, região do Rio de Janeiro onde muitos imigrantes do Oriente Médio se fixaram no início do século XX. Forte símbolo de generosidade e fertilidade, a tamareira será instalada entre as palmeiras do local, transformando a praça em uma área de hospitalidade, assim como o Saara cresceu para se tornar um importante polo de varejo, onde comerciantes de origens diversas trabalham lado a lado, com tolerância e aceitação. Visualmente similares, a tamareira e as palmeiras locais têm origens e propriedades muito diferentes. A tamareira é uma árvore que cresce em oásis de desertos, considerada sagrada por todas as religiões, conforme mencionado no Alcorão, na Bíblia e em provérbios persas e retratado em inscrições egípcias. Antes de ser geneticamente modificada, levava de 80 a 90 anos para dar frutos depois de plantada, dando-lhe tempo suficiente para se adaptar a seu novo e estranho ambiente. No solo, circundando seu tronco, está instalada uma placa com a inscrição de uma frase em português, inglês e árabe. As três frases fazem uma brincadeira engenhosa com as palavras usadas nos diferentes idiomas. Em inglês, “Let’s have a date in SAARA?”, a palavra “date” refere-se a encontro social ou romântico, mas também pode significar tâmara, por isso a tradução para português é “Vamos comer uma tâmara no Saara”, que seria a versão mais literal da frase em inglês. Entretanto, embora SAARA se refira ao mercado no Centro do Rio, a palavra pode ser interpretada foneticamente como deserto do Saara, daí a tradução para árabe ,que significa, literalmente ,لنلتقي في الصحراء “Vamos nos encontrar no deserto”. Conforme a água da chuva é drenada através das letras ocas para irrigar as raízes da árvore, as frases, om significados muito diferentes em cada idioma, refletem com humor os erros típicos que podem ser cometidos por iniciantes em um idioma estrangeiro.
No mesmo espírito desta intervenção pública, e paralelamente a ela, Chaves colaborou com a Rádio Saara em uma intervenção sonora pública, em que convidou os artistas participantes da exposição a apresentarem frases, provérbios ou expressões no idioma de sua escolha, como “quem planta tâmaras não colhe tâmaras”, um ditado que incentiva ações que não beneficiam apenas a própria pessoa, já que as tamareiras levam de 80 a 90 anos para dar frutos. Essas contribuições foram compiladas e veiculadas em português pela rádio nas ruas do Saara durante o período da exposição. Embora tenham sido solicitadas frases relacionadas à tamareira e seu papel na história ou provérbios ligados à hospitalidade e às semelhanças e dissonâncias entre idiomas, o interesse de Chaves reside na tensão e na provocação que algumas expressões podem criar.
Amanda Abi Khalil