Galeria Laura Marsiaj (Luiz Camillo Osorio)

 

A obra de Marcos Chaves, desde o seu começo no final da década de 80, oscila entre a escultura e a imagem. O seu foco é o estranhamento advindo da apropriação e desconstrução das imagens. O interesse pelo objeto, pela materialidade da escultura, remete sempre para algo além dela, para as associações liberadas pelo jogo entre a imagem e o imaginário, entre o que se vê e os modos de ver. O método poético mistura o sentido apropriativo do ready-made duchampiano com a ironia visual de Magritte. Não se trata apenas de se apropriar dos objetos e das imagens, mas de repotencializá-los por aproximações inusitadas e criativas.

A atual exposição na galeira Laura Marsiaj mantém a mesma direção, sendo que a imagem é toda ela virtual, realizada em fotografia, computador e vídeo, meios que já vêem sendo utilizados pelo artista há tempos. Não que os objetos tenham desaparecido, mas eles não interessam enquanto presença física, real, mas sim pelas múltiplas insinuações das imagens criadas. Os objetos transformam-se em fotografia. A temática se apresenta de imediato: os símbolos da paixão. Mais do que isso, os conflitos inerentes à própria dificuldade de se representar a paixão. A maçã, a máscara, a morte, o desejo. Tudo se insinua, nada se revela. É da natureza da paixão manter-se no intervalo entre insinuação e revelação, fazendo convergir e misturarem-se as pulsões de vida e de morte.

Daí que deixar a exposição “sem título” foi uma boa estratégia. É desnecessário nomear a paixão. A fotografia de uma boca vermelha estourada, extraída de uma máscara de carnaval típica dos bailes e blocos populares do Rio de Janeiro, que se transforma em uma maçã de carne, fala por si sobre a simbologia e o estranhamento da paixão. O mesmo pode ser dito da fotografia de uma maçã decorativa de metal que tem no seu interior o detalhe de uma pequena caveira branca.

Neste último caso, como já observei, o objeto existe, mas não é isto o que interessa e sim os efeitos um tanto enigmáticos da imagem construída. A fotografia ganha uma escala e um mistério que não são atributos do que se apresenta, mas do que se insinua, explorando a diferença simbólica entre o atual e o virtual, entre o que é real de fato e em potência. Esta é uma estratégia bastante apropriada se o tema é a paixão, que vive muito mais de insinuações que se escondem do que de fatos que se apresentam.

A série de desenhos feita em computador mantém um jogo similar de atração e repulsão entre forma, imagem e cor. A maçã e a caveira ora se mostram ora se velam, entre o desejo da linha e o da cor. Os dois vídeos da exposição, onde a presença do artista ganha o primeiro plano, é um jogo entre a imagem-estática e a imagem-movimento, entre o que se mostra e o que se esconde, entre o vídeo e a fotografia, entre a ironia e a fatalidade das paixões. Enfim, nesta exposição Marcos Chaves fala de si e de todos.