Arbolabor
Memória, lugar, ação.
Emilio Navarro
Existem muitos artistas que buscando em seu interior, encontram sem dificuldade o germe da razão que mais tarde adquirirá uma certa forma plástica.
Mas também há quem precise olhar, observar em seu ambiente para descobrir esse fato, esse objeto que coloca em marcha sua máquina criativa.
Marcos Chaves pertence a esse grupo de artistas aos quais poderíamos chamar de “observadores” com bastante possibilidades de acerto.
Aprofundando em seu trabalho, não é difícil descobrir nele uma habilidade especial e pródiga de visualizar ou imaginar com grande agilidade o que poderíamos chamar de “a outra cara de determinados objetos” (oculta diante da nossa incapacidade de percebê-la) e de apreender a relação recíproca que existe entre eles e as pessoas.
Essa inter-relação entre objeto e ser humano que, repito, parece não ser visível aos olhos de outros mortais, exceto ele, é o resultado, garante Marcos, da mudança de nossa maneira de agir e entender o mundo através dos objetos que fabricamos.
Boa parte de suas criações, nos anos 90, responde a essa faculdade de transformar, de mudar o significado dos objetos, de uma maneira um tanto divertida, às vezes simplesmente colocando-os em um contexto diferente do habitual.
Mas, nos últimos anos, suas contínuas caminhadas pelas cidades, como um bom flâneur, têm monopolizado cada vez mais a atenção de Marcos e proporcionado a ele ricas experiências que têm sido as sementes de frutíferas obras de arte, muitas delas incorporadas com a ajuda do meio fotográfico.
O Rio de Janeiro é uma cidade muito “arborizada”, como comenta o próprio Marcos, fato que se reflete, por exemplo, na obra “Todos nós”, uma composição de 12 fotografias realizadas em 2015, precedida por outra de concepção semelhante chamado “Arquipélago” em 2010.
Pode ser uma coincidência, mas não surpreendente, sabendo, como dissemos na trajetória de Marcos, que foram as árvores que bateram novamente na porta da sensibilidade do artista em seus primeiros passeios pela cidade de Burgos.
Mais uma vez, propusemos a Marcos, dados os resultados mais do que satisfatórios obtidos durante sua residência e trabalho no projeto “Agenda Santiago” no Chile, em novembro de 2012, para residir em nossa cidade por alguns dias, deixando-se levar e observar o cotidiano da vida pacífica e aprazível da cidade de Burgos.
Nessa ocasião, as sombras dos ramos unidos das árvores do Paseo del Espolón, fizeram Marcos descobrir essa relação oculta para nós, não para ele, sobre o qual falamos no início do texto.
Das semelhanças estéticas entre a Árvore da Vida de Jessé, obra escultural em um dos retábulos da Catedral de Burgos, feita na segunda metade do século XV, por Gil de Siloé e da metáfora da capacidade de criar vidas infinitas que nascem ou surgem de um tronco comum com a montagem dos galhos dos plátanos do Paseo del Espolón, nasceu o germe, o pólen deste projeto/exposição.
A partir do trabalho manual do homem, promovendo a união desses ramos, Marcos inferiu que, mesmo que fosse metaforicamente, havia também a intenção do povo de Burgos de criar, manipular, uma linha da vida.
Uma intenção que, por sua vez, encaminhou Marcos à sua estimada Lygia Clark, uma importante artista conceitual brasileira que foi referência em seu trabalho, que nos anos 60 começou a se maravilhar e mergulhar no mundo de três dimensões e lógica matemática em uma performance chamada “Caminhando”, no qual ela convidou os espectadores a cortar a fita de Moebius e se deixar levar pelos resultados surpreendentes que a manipulação dessa fita produziu. Todo o status se alterava com a manipulação.
Mas Marcos voltou à cidade, dia após dia, novamente abriu os olhos e parou de se recordar. O artista já tinha duas linhas de vida compiladas em seus dias na cidade.
Uma, aquela que se refere à memória coletiva foi representada com uma fotografia convencional, se é que podemos chamar assim, e é aquela que ocupa a parede central das salas de exposições do andar inferior, acessadas através das escadas ou do elevador, dotando-a de uma solenidade posicional semelhante à que mantém em sua localização original na Catedral, e a segunda, a presente, a local, a linha da vida que Burgos e seus habitantes realizam dia após dia, se tornaram o grande pedaço de a exposição.
Um excelente trabalho fotográfico que inunda todo o espaço central e projeta uma grande rede de sombras no chão, que parece ser projetado pela luz de um vídeo filmado por Marcos com o sol como protagonista absoluto, e com o pólen que voa por toda cidade pelos dias do início de verão em que Marcos mergulhou na cidade.
A essas duas linhas de vida, a histórica e a local, a dos locais, bastava acrescentar uma, a pessoal, a que nasceu exclusivamente da manipulação das mãos do artista, como um novo nascimento, com seu sistema ou método particular. de recortar fotografias e remontá-las, dando origem a uma nova imagem, uma nova e pessoal linha de vida que, juntamente com as outras duas, moldou esse conjunto magnífico que, sob o título de ARBOLABOR, temos hoje o prazer de contemplar.
Burgos, 2015