Mão

1989
 

Instalação. Solar Grandjean de Montigny, Rio de Janeiro.

O trabalho de Marcos Chaves, embora surgido na década de oitenta, revela
preocupações diferentes das de muitos de seus colegas de geração, empenhados na retomada
da pintura, e, portanto, na revalorização artesanal enquanto meio de concretização de
procedimentos específicos dessa técnica. Inversamente, a produção do artista inscreve-se nas
questões do experimentalismo, onde a ideia desempenha papel determinante nos resultados da
obra, não privilegiando, por isso mesmo, nenhuma técnica ou suporte, o que implica numa
desvalorização relativa do artesanato face ao Projeto, uma vez que a criação da imagem não
depende necessariamente de sua intervenção manual.

A instalação agora mostrada é exemplar nesse sentido. Aproveitando-se das
particularidades da sala circular do segundo piso do Solar Grandjean de Montigny, Marcos
Chaves elaborou uma proposta que discute exatamente a especificidade de seu trabalho. No
centro do chão do espaço, situa-se um pequeno cilindro, de metal, de onde sai um foco de luz
que projeta na cúpula da sala escurecida, a sombra da cópia da mão do artista, a ela acoplada.
A imagem da sombra da mão, remete-nos não só aos primórdios da pintura, quando os
homens pré-históricos deixavam nas paredes das cavernas as marcas de suas mãos entintadas
pela pintura corporal, como à alegoria da Caverna de Platão.

Essa dupla referência, dá sentido à instalação e à sua própria obra, instaurando uma
diferença e uma analogia. Entre a impressão da mão rupestre, indicadora fundamental da
manualidade na constituição da espécie humana, e, a mão projetada pela luz alógena no teto
da sala, existe o lapso de toda a história da arte. A mão sombra, no entanto é passível de ser
articulada à aurora do pensamento racional, tão claramente explicitada pelo platonismo.
Trata-se aqui de uma aparência –a sombra– da aparência –a mão de resina de polyester–
distante em três graus da mão do artista, a verdadeira, que intervém não em sua dimensão
técnico-artesanal, mas como ícone de uma ideia. Mão que pensa e elabora um projeto a ser
executado por outro, distanciando-a da tradição da arte entendida como tekné mimética e
aproximando-a das experiências que buscam resolver a imagem de um ponto de vista
contemporâneo.

Fernando Cocchiarale, 1989