sempre vai passar
Escrevo este texto ao acordar no dia 31 de outubro de 2022 com os olhos mareados e o coração aliviado.
Quando fiz esta bandeira no início de 2019, tomado pela tristeza e desânimo com a escolha da maioria dos brasileiros, busquei me concentrar num pensamento que me impulsionasse para frente, para seguir adiante, e assim me agarrei ao mantra Vai Passar, mas com a certeza de que teríamos um longo processo por vir, de muita resistência e trabalho contínuo para que a passagem de fato acontecesse. Do outro lado da bandeira, no que lhe diz respeito, o ponto de interrogação estabelece uma mediação com as incertezas do futuro e convoca a pensar a dúvida como um fator de motivação extra, aberto às potências que insistem na resistência ao que está dado ou em vias de se consolidar.
A bandeira ficou estendida por um ano, de abril de 2019 a março de 2020, no alto da cúpula do Museu de Arte do Rio de Janeiro. Será, no entanto, a primeira vez que ela é exibida mostrando apenas um dos lados, descansando a interrogação contra a parede. Durante esse momento de transição de governos e ideais, Vai Passar se mantém firme na direção rumo à retomada plena da democracia, a uma sociedade mais justa, ao respeito pela ciência, pelos trabalhadores da cultura e das artes e, sobretudo, à energia conjuntiva do amor que nos une.
É hora da dúvida e do medo ficarem para trás e darem lugar à reconstrução do país, a novas proposições e formas de estar junto.
Pensando nisto, escolhi para esta mostra trabalhos da coleção Roberto Marinho que me atravessam enquanto artista e, a partir disso, incluí outros que se relacionam com essas escolhas, por exemplo, a pintura de Leonilson e os desenhos de Ismael Nery e Jean Cocteau, além de um trabalho que fiz nos anos 80 que se aproxima pela economia do traço de um desenho de Mira Schendel. O recorte é diverso em termos de artistas e suportes, como a coleção em si, porém singular em seu conjunto.
Dedico a potência destes trabalhos reunidos aos quase 700 mil brasileiros que foram levados pela pandemia, a suas famílias e aos meus colegas que partiram sem poder estar presentes, comemorando e vivendo conosco a mudança, ainda que alguns estejam aqui representados por seus trabalhos.