Evento no Palácio (Daniel Rangel)

 

Depois de um grande esqueleto humano, uma árvore, postes de madeira, nuvens, fantasmas e ninfas, agora na abertura da segunda edição do Programa Ocupas, o Palácio da Aclamação é ocupado pela força de um fenômeno da natureza: o vento.

Evento é a primeira exposição individual do artista carioca Marcos Chaves na Bahia. Expoente da arte contemporânea brasileira e um dos mais importantes e atuantes artistas de sua geração, Marcos foi estimulado pela proposta do Programa Ocupas, que visa realizar as montagens a partir do diálogo com a história, o acervo, a arquitetura e o entorno desse prédio – um lugar com uma visualidade fantástica, aberto a mil possibilidades de intervenção.

Em Evento, Marcos Chaves criou um projeto inusitado, arriscado, na maior e mais desafiadora exposição de sua trajetória. Ele transforma o vento em protagonista, montando um site specific que cria diferentes efeitos a partir da sua passagem pelos espaços do Palácio da Aclamação.   

Além de trabalhar com objetos e instalações, Marcos Chaves é também um fotógrafo sensível, que fotografou o espaço e seus objetos, se encantando com o Palácio e seu acervo. Para realizar as obras aqui expostas, ele manteve o mesmo processo criativo que tornou seus sites specifics reconhecidos no país e exterior trabalhando com os elementos que encontrou no próprio local – neste caso, os móveis que fazem parte do acervo existente. Com eles. montou um grande móbile formado por camas, mesas e cadeiras no hall de entrada e um cenário devastado na sala de banquetes. No salão nobre, o único vazio, o vento aparece como se estivesse aprisionado, sensível fisicamente para os visitantes, ao som de um lustre de cristal que fica imóvel. apesar da ventania.

Nesta mostra. Marcos Chaves realiza uma composição visual que é, ao mesmo tempo, lúdica e fantástica, mas que, por outro lado, não tenta dissimular o seu processo de elaboração. Em Evento, o efeito estético é potencializado justamente pela exposição dos artifícios e estruturas que existem por trás das instalações, deixando evidente a presença do artista e sua intervenção. Não existem truques. Estão ali, os ventiladores, a grade de ferro, os cabos de aço, todos expostos, aumentando o impacto visual das obras.

Com essa mostra, abrimos o calendário expositivo de 2011 do Programa Ocupas, uma iniciativa que alcançou excelentes resultados, abrindo ao público esse importantíssimo prédio histórico e transformando o Palácio da Aclamação em um dos mais importantes locais de exposição da cidade. Um espaço com uma proposta diferente, dedicado a experiências inovadoras, que começa agora a se consolidar, obtendo grande repercussão na mídia, tanto local quanto nacional, vencendo inclusive um prêmlo (da Revista Bravo, para a exposição Faustus, de José Rufino).

Com Evento, de Marcos Chaves, iniciamos a segunda edição deste Programa. Pedimos licença a lansã, rainha dos ventos, raios e tempestades, e a sua benção para a abertuta desta mostra. Epa Hey I Oyá!

Daniel Rangel

  • ”Marcos Chaves surpreende significados e valores imersos nas coisas vulgares, dissimulados no hábito ou na convenção. Faz descolamentos imprevisíveis e produz assemblages em tom de paródia , destilando aí a sua aguda observação sobre o mundo, da tecnologia ao lixo” (Ligia Canongia)
  • **Referância ao trabalho “Vendo a Vista”, fotografia poesia de Marcos Chaves.
  • ***Imagens de Evento
  • ****Imagens de Registro

 


 

Evento é um título ambíguo para uma exposição. Você pode falar um pouco mais sobre ele?

 

Evento é o acontecimento de uma ação no espaço do Palácio, um evento com três

situações. É claro que o titulo já inclui o “‘vento”, o principal elemento desta mostra, pois é um jogo de palavras. Já pensei no título visualizando tudo, a montagem, o espaço, o convite, as fotografias, a entrada do vento na cortina .. Ao final. é sempre a idéia do vento como protagonista.

 

Como o seu trabalho chegou ao Palácio da Aclamação?

Por conta da repercussão na imprensa nacional, eu tive contato com o trabalho que  Carlito Carvalhosa apresentou neste mesmo Programa (a exposição Roteiro para Visitação) e achei incrível. Desde aquele momento, percebi que esse lugar era muito lindo e a proposta interessante. Por isso, quando pouco tempo depois eu recebi o convite de Daniel Rangel para participar do Programa, já sabia do que se tratava. Meu intuito, a partir de então, foi criar uma situação escultórica que possibilitasse aos visitantes um olhar diferenciado sobre este prédio histórico. Ao observar as instalações – e através delas – cada pessoa pode descobrir a riqueza do espaço que as abriga.

 

 

Como se deu a inspiração para essa mostra?

Surgiu de uma lufada de ar que recebi. Quando cheguei ao Palácio, fui fotografar os espaços e pedi para que abrissem as janelas do salão. Quando abriram, senti imediatamente o vento. Naquele mesmo momento, entendi que esse era o caminho. Outro detalhe é que, adornando as laterais dessas janelas, existem afrescos com alegorias e a representações do vento,  anjos que sopram de cima das nuvens. E foi esta idéia que ficou. Eu gosto de dar importância aos primeiros estímulos. Tem gente que  acha que as idéias simples não são as melhores, que precisam ser mais elaboradas, mas, com o tempo, passamos a dar mais valor a estes estímulos iniciais e à intuição. A elaboração é uma conseqüência na continuidade do trabalho.

 

E como se deu o processo para a elaboração das obras?

Bom, eu respeito muito a ordem natural das coisas. lnicialmente, a minha intenção foi de não trazer nada externo pra dentro do Palácio. Queria aproveitar da riqueza que existe nele. Eu tenho “tesão” em fazer isso. Gosto de aproveitar o material que encontro no espaço a ser trabalhado, pois isso me possibilita investigar a memória do lugar.

Assim, o “‘vento”, que na verdade é um elemento que já acompanha meu imaginário há alguns anos, acabou que virou assunto principal dessa exposição, o elemento que deveria interagir com o Palácio e o seu acervo. As obras começaram a surgir a partir daí, da ideia de aprisionar o vento naquele espaço, de torná-lo perceptível e sentido pelos visitantes, além de criar um clima de devastação, como se um furacão tivesse passado pelo ambiente e deslocado violentamente os móveis.

Mas, eu ainda levei para a exposição outro elemento invisível, além do vento: o som. No dia em que comecei a fazer experiências com os ventiladores, direcionei um deles para o lustre do salão de festas – que foi a primeira coisa que Daniel me mostrou. Quando ouvi o som dos cristais, me encantei e decidi acrescentá-lo de maneira permanente na instalação.  Gravei durante a noite o som deles manipulados por mim. Criando de alguma maneira uma situação fantástica, fantasmática , onde o lustre fica estático e ao mesmo tempo você ouve o som dele como se estivesse vibrando com o vento.

Criei um zona neutra de vento ao redor do lustre, onde ele permanece imóvel, apesar de todas as cortinas em volta estarem voando bastante e as discretas caixas de som entoando  o som dos cristais

Fora isso, Evento é um trabalho que não tenta dissimular as coisas, todo o processo de elaboração das instalações está ali, exposto, fazendo parte das obras. E o fato de estar usando uma escala muito maior do que nas minhas exposições com objetos não quer dizer que quis fazer algo mirabolante. Estava sentindo falta de trabalhar com grandes dimensões, com o espaço, mas fiz isso usando o mesmo procedimento de economia e simplicidade que geralmente eu uso em outras exposições de menor escala.

 

O vento já era um tema presente em tuas criações, então?

Sim, essa imagem me acompanha desde o tempo. Quando eu estudava arquitetura, eu pintava camisas, e uma delas, a de maior sucesso tinha um impressão de um tornado, localizado bem no meio do peito, no chacra. Era para mim como se fosse um talismã, um amuleto. Eu usava aquela camiseta o tempo todo! Sempre pensei em trabalhar com essa imagem. Nos anos oitenta fiz desenhos, pinturas, sketches de projetos com vento. É muito bacana retomar essa história aqui na Bahia.

 

Por destoarem um pouco de suas obras anteriores, onde o humor, a ironia, era algo mais evidente, podemos afirmar que as três instalações dessa exposição trazem uma versão mais lúdica e intuitiva do seu trabalho?

Talvez eu esteja substituindo o humor por uma coisa mais fantástica, mais lúdica mesmo, como no caso de fazer esses móveis voarem. Em Evento tudo é mais sutil. Mas tenho certeza de que aqui, na Bahia, é mais fácil fazer esse trabalho do que seria em Curitiba ou em São Paulo, por exemplo. A Bahia tem mais coragem de fazer coisas. A. Bahia não se assusta, até porque está mais longe da Europa conservadora.

 

Falando em Bahia, no último momento, um novo elemento, da religlão afro-brasileira acabou entrando na exposição, Como foi isso?

Eu tenho uma amiga muito ligada à Bahia, que quando eu contei que iria fazer aqui uma exposição na qual o vento é elemento principal, me disse que eu deveria pedir licença a lansã. Falei sobre isso com Daniel, o curador, e fiquei à espera de que a gente pudesse fazer algum trabalho, um ritual, uma celebração. No entanto, o que aconteceu foi que, na semana anterior à abertura, numa quarta-feira (que descobri depois que era o dia dedicado a este orixá}, Daniel chegou à DIMUS me dizendo que teve um sonho com lansã dentro do Palácio, comandando os ventos. Ai, ele deu a ideia da gente colocar um par de chifres em uma das salas, que são os objetos usados no culto para chamar esta divindade. Na hora, não acreditei, pois eu tenho guardado ate hoje um par de chifres que comprei há 25 anos e, desde então, tenho tentando usar nos meus trabalhos, sem conseguir! Agora, alem do pedido de licença, acabamos incorporando este elemento ligado a lansã na exposição. Mais uma intuição, mais uma coincidência, do tipo que só possível acontecer aqui, na Bahia.