Academia (Ulisses Carrilho)
Centros comunitários e cooperativos de lazer, regulados por seus próprios pares, as academias de pedra revelam uma estrutura social sofisticada baseada em processos de colaboração. A série de esculturas apresentada em “Academia” constitui-se a partir do vocabulário de materiais daqueles que improvisam com materiais da construção civil e descartes para a construção e manutenção desses centros. Réplicas de aparelhos de ginástica orientados para o exercício físico são feitas de concreto, ferro, borracha e madeira, tal como as existentes ao ar livre em praias, praças, parques, centros de lazer e, sobretudo, das zonas periféricas da cidade. Em cimento e barras de ferro, as peças de arquitetura rudimentar tomam a própria areia, abundante nas praias, como material constituinte para esculpir os corpos que modelam em meio à paisagem.
A “Academia”, de Marcos Chaves, ironiza a estrutura acadêmica sectária como lugar que detém o saber e regula o pensar. Segundo a crítica de arte Luisa Duarte, as peças aqui apresentadas servem como resposta ao conhecimento anódino das escolas, das teorias descoladas da experiência, miram um saber que funde-se com a carne e a vida. Em repouso, as peças revelam uma situação dramática, uma cena em estagnação, em que aquilo que escapa é justamente a presença do corpo. Fundada em 1975, a Escola de Artes Visuais do Parque Lage surgiu como uma antiacademia, questionando sobretudo o lugar de poder hegemônico de nossas instituições de ensino e uma visão totalizante e colonizada dos conceitos de arte e cultura, questionando-os.
O espaço de exposição é compreendido também para fora das galerias: o neon “Academia” remarca, num gesto conceitual, uma performatividade institucional da EAV Parque Lage. Por meio da ativação de um projeto de arte, a Escola reajusta o seu próprio espaço simbólico no Rio de Janeiro e ilumina a pertinência de questionarmos aquilo que temos considerado e, sobretudo, aquilo que temos silenciado como manifestações artísticas e culturais. Criada pelo artista Rubens Gerchman como uma “antiacademia”, a EAV Parque Lage investiu em uma vertente contemporânea já expressa em seu nome ao usar o termo “artes visuais”, ampliando a compreensão do campo artístico, oferecendo novas linguagens a serem estudadas e discutidas, como fotografia, cinema e as artes do corpo a partir do terreno da cultura brasileira. Seja por meios dos ecos de sua própria história, seja por meio de sua sugestão do corpo e da paisagem, relembramos nesta escola de floresta que as primeiras escolas da civilização ocidental foram experiências comunais, com o corpo em movimento e ao ar livre.
Ulisses Carrilho