Sugar Loafer
Montanhas tendem a exercer um certo fascínio sobre nós, humanos. Seja por seu volume massivo, seja por seus milhões de anos de duração, elas parecem, de algum modo, nos pôr em escala ao redor dos mistérios do mundo. Na história da arte, pelo menos duas ficaram bastante conhecidas. Hokusai (1830-32) e Hiroshige (1852-58), cada um a sua maneira, produziram uma série de gravuras com o mesmo título: 36 Vistas do Monte Fuji. Nelas, retratam o monte em diferentes épocas do ano, condições climáticas e pontos de vista. Outra célebre formação rochosa na arte é o monte Sainte-Victoire, localizado perto de Aix-en-Provence, e pintado diversas vezes por Paul Cézanne ao longo da vida até a sua morte em 1906. O pintor via na montanha um beau motif. De sua parte, houve um interesse frequente em representar a transição da luz e os efeitos dela na imponente elevação.
O conjunto montanhoso formado pelo Pão de Açúcar e o morro da Urca é dos mais conhecidos do país. De logo de cooperativas de táxi a campanhas turísticas internacionais, sua silhueta está lá, onipresente no imaginário que constitui (e capitaliza) uma ideia de Rio de Janeiro.
Marcos Chaves, consciente do clichê suscitado pela saturação da imagem inerente a um ponto turístico, concentra o olhar em situações ou índices voltados a um uso corriqueiro de seu entorno, como se buscasse descondicionar, clique após clique, o olhar sobre um velho conhecido. A ironia logo dá as caras se pensarmos no beau motif de Cézanne e o acaso, assimilado intencionalmente pelo artista que reconhece o encontro, aponta para uma prática distinta da dos pintores, já que as cenas/enquadramentos não são preparadas, e confirma-se como matéria constituinte do próprio olhar. Sugar Loafer se afasta, desse modo, dos matizes conceituais encontrados no primeiro trabalho do artista que reflete sobre a imagem do monumento natural carioca, a foto/poema visual Eu só vendo a vista, realizada em 1997. Se
neste último o monumento era enquadrado desde um mirante, bem do alto, as suas redondezas, abaixo, são varridas a pé ou de bicicleta, numa escala mais propensa a detectar as menores atividades urbanas. Essa mobilidade do corpo na paisagem, aliás, nos dá pistas a respeito do título da série. Loafer, também uma derivação de loaf, além de remeter à tradução para a língua inglesa de Pão de Açúcar (Sugar Loaf), traduzido para o português como mocassim, mas também vadio, num sentido não exatamente igual mas adjacente à figura do flâneur, tipo errante, deambulador da modernidade, tal como descrito por Charles Baudelaire.
Yan Braz