I only have eyes for you

Projeto Respiração. Casa Museu Eva Klabin, Rio de Janeiro. (2013)
     

17th edition of the Breathing Project (2/09/13 to 10/11/13)

Artistic occupation at the invitation of Casa Museu, for 2 months, involving the collection, its rooms and occasional interventions using different media. There were 6 new installations for the venue (Zoom, Cinema Lavado, Cartoon Soundtrack, Spell, Hot Widow and I Only Have Eyes for You), as well as the insertion of a painting by the artist’s mother in the English Room, bringing the total to 7 exhibition rooms (Lower Hall, Renaissance Room, Dining Room, Chinese Room, Upper Hall and Bedroom).

Quarto Eva Klabin

“Na obra I Only Have Eyes for You (Só tenho olhos para você), título retirado da canção de Al Dubin e
Harry Warring, de 1934, que pode ser ouvida na gravação de Art Garfunkel no quarto de dormir de Eva
Klabin, e que dá título à exposição, por exemplo, Marcos Chaves instaura uma circularidade de olhares
que começa com o seu olhar sobre Eva Klabin e culmina com o publico vendo, através do seu olhar, a
casa e a coleção. Nessa obra os olhos de Nicolaus Padavinus, pintado por Tintoretto, são iluminados de tal
maneira que estabelece uma troca quase íntima de olhares entre o retratado (ou Tintoretto) e a cama da
colecionadora (ou Eva Klabin).”

Sala Renascença/ Cinema Lavado

“Na Sala Renascença, temos Cinema Lavado, em que o retábulo maneirista que ocupa o fundo da sala,
assim como toda a sala, é transformado em tela que recebe imagens da natureza do Rio de Janeiro, que é
apreendida por Marcos Chaves como potência barroca. O desenho naturalmente retorcido da mata e
convulso do mar é visto como o pano de fundo para uma manifestação barroquizante de nossa cultura
visual. É curioso lembrar que a origem desta percepção talvez esteja no fato de que o modernismo
brasileiro faz uma hipérbole sobre o neoclassicismo do século XIX, criando uma ponte direta entre o
barroco colonial e a arte moderna.”

Hot Window

“Seguindo na trilha da sensualidade, a obra Hot Widow (Viúva quente), localizada no Hall superior,
parodia a obra de Marcel Duchamp, Fresh Widow. Nessa obra o que vemos é uma projeção da janela
sobre a própria janela. Dobrando a projeção, que é um registro diferente do mesmo sobre o mesmo, a
janela deixa de ser a mesma.”

Sala de Jantar

“Em Cartoon Soundtrack, na Sala de Jantar, somos surpreendidos por um barulho de cristais se quebrando e talheres se batendo; uma
traquinagem de Eva Klabin? Sim. É ela que se esconde por detrás da cortina, traída pelos bicos de seus
sapatos, e que se diverte presenciando sua irreverência com o visitante.”

Tapetes

“A casa-museu de Eva Klabin, assim como o cinema e a imagem fotográfica, é um passado que se torna presente; é uma virtualidade real
ao mesmo tempo em que é uma realidade virtual. Este é um tema recorrente que talvez seja o que de mais
forte e expressivo podemos encontrar no Projeto Respiração. E esta idéia é ainda reforçada na intervenção
que Marcos Chave faz logo assim que entramos na casa, no Hall inferior, e nos deparamos com três
tapetes que são reproduções de detalhes que o olho do artista pescou dos tecidos da coleção, que é o traço
mais secreto do colecionismo de Eva Klabin, que se dedicou a reunir pedaços de tecidos dos séculos
XVII, XVIII e XIX. A obra Zoom nos recebe, nos lembrando de que a operação Duchaviana consiste em
enriquecer o óbvio, tirando-o da banalidade que o protege.”

Na obra I Only Have Eyes for You (Só tenho olhos para você), título retirado da canção de Al Dubin e
Harry Warring, de 1934, que pode ser ouvida na gravação de Art Garfunkel no quarto de dormir de Eva
Klabin, e que dá título à exposição, por exemplo, Marcos Chaves instaura uma circularidade de olhares
que começa com o seu olhar sobre Eva Klabin e culmina com o publico vendo, através do seu olhar, a
casa e a coleção. Nessa obra os olhos de Nicolaus Padavinus, pintado por Tintoretto, são iluminados de tal
maneira que estabelece uma troca quase íntima de olhares entre o retratado (ou Tintoretto) e a cama da
colecionadora (ou Eva Klabin). Essa cumplicidade alude a uma sensualidade inerente a um quarto de
dormir, ao mesmo tempo em que nos fala de uma troca de olhares ou do sempre presente voyeurismo na
prática de visitas a museus e exposições. E mais, brinca com a idéia de que todos nós só temos olhos para
Eva Klabin quando estamos visitando sua casa e coleção.

Seguindo na trilha da sensualidade, a obra Hot Widow (Viúva quente), localizada no Hall superior,
parodia a obra de Marcel Duchamp, Fresh Widow. Nessa obra o que vemos é uma projeção da janela
sobre a própria janela. Dobrando a projeção, que é um registro diferente do mesmo sobre o mesmo, a
janela deixa de ser a mesma. Marcos Chaves exerce uma das principais manobras de sua obra. Citando
Luisa Duarte: “É o mesmo, mas já não é o mesmo, por um simples e leve deslocamento do olhar.” (2)
Acrescentando à sua percepção, diria que o mesmo também deixa de ser o mesmo porque ao deixar que
imagens virtuais e reais se desloquem simultaneamente, acrescidas do registro verbal, cria dobraduras
entre essas várias instâncias, explicitando paradoxos e liberando outras camadas de sentido,
principalmente o humor.

O humor é a chave-mestra de Chaves. Com o humor, como o próprio artista diz, ele tira a tragicidade das
coisas, e eu acrescento que, no caso especifico da Fundação Eva Klabin, tira a austeridade da casa-museu
que não se coaduna com a própria personalidade de sua fundadora. Em Cartoon Soundtrack, na Sala de
Jantar, somos surpreendidos por um barulho de cristais se quebrando e talheres se batendo; uma
traquinagem de Eva Klabin? Sim. É ela que se esconde por detrás da cortina, traída pelos bicos de seus
sapatos, e que se diverte presenciando sua irreverência com o visitante. Eva Klabin era divertida e
irreverente e nos deixou pistas sobre esse traço de sua personalidade ao colocar em destaque a obra do
Mestre da Madona do menino travesso no centro do retábulo que domina a Sala Renascença. Citando
Ligia Canongia, no belo texto sobre Marcos Chaves Vazio e totalidade, que nos remete à teoria Freudiana
sobre o chiste: “O humor intervém sobre o significado original do objeto e enxerta outro, por um
movimento imprevisto, um desconcerto, quase piada.” (3)

Na Sala Renascença, temos Cinema Lavado, em que o retábulo maneirista que ocupa o fundo da sala,
assim como toda a sala, é transformado em tela que recebe imagens da natureza do Rio de Janeiro, que é
apreendida por Marcos Chaves como potência barroca. O desenho naturalmente retorcido da mata e
convulso do mar é visto como o pano de fundo para uma manifestação barroquizante de nossa cultura
visual. É curioso lembrar que a origem desta percepção talvez esteja no fato de que o modernismo
brasileiro faz uma hipérbole sobre o neoclassicismo do século XIX, criando uma ponte direta entre o
barroco colonial e a arte moderna. Mas o que nos interessa em Cinema Lavado é de novo a dobra que o
artista estabelece entre a imagem barroca que cria da natureza e as imagens do barroco colonial brasileiro
das igrejas, sendo projetadas sobre o retábulo. O duplo barroco: o mesmo sobre o mesmo sem ser o
mesmo, não para enfatizar, mas para descolar novas camadas de leitura. Soma-se à Cinema Lavado que as
imagens “lavadas” trazem um jogo de palavras no sentido de “lavagem espiritual”, à qual nos referimos
no início do texto e que foi importante para que Marcos Chaves gerasse o clima de leveza que necessitava
para criar – que não têm nada a ver com sentido religioso, stricto sensu -, mas que fica ainda mais
evidente quando vemos as imagens da missa que mandou rezar em memória de sua mãe e de Eva Klabin,
assim como as imagens de um turíbulo que atravessa a casa como um disco voador envolto em fumaça,
incensando os diferentes ambientes, como se dessem continuidade ao processo de limpeza durante o
período da intervenção.

Cinema Lavado transforma a Sala Renascença em cinema instalação e nos traz de volta uma reflexão
importante sobre o Projeto Respiração, que é a questão do virtual e do real. A casa-museu de Eva Klabin,
assim como o cinema e a imagem fotográfica, é um passado que se torna presente; é uma virtualidade real
ao mesmo tempo em que é uma realidade virtual. Este é um tema recorrente que talvez seja o que de mais
forte e expressivo podemos encontrar no Projeto Respiração. E esta idéia é ainda reforçada na intervenção
que Marcos Chave faz logo assim que entramos na casa, no Hall inferior, e nos deparamos com três
tapetes que são reproduções de detalhes que o olho do artista pescou dos tecidos da coleção, que é o traço
mais secreto do colecionismo de Eva Klabin, que se dedicou a reunir pedaços de tecidos dos séculos
XVII, XVIII e XIX. A obra Zoom nos recebe, nos lembrando de que a operação Duchaviana consiste em
enriquecer o óbvio, tirando-o da banalidade que o protege.

Essa maneira direta de tratar a realidade indica uma forma de transparência que evidencia que o mistério
do mundo não se esconde; que a metafísica é imanente ao real e que os artistas são os seres capazes de
transmitir isso. Marcos Chaves, através de jogos semânticos, extrai visibilidade das palavras e, dessa
maneira, realoca a imagem numa nova realidade, evidenciando que mesmo aquilo que nos parece óbvio e
banal carrega consigo uma riqueza que pode nos passar desapercebida.

Marcio Doctors

(1) FERREIRA, Glória e WANDERLEY, Lula. Entrevista in Arte Bra Marcos Chaves. Rio de
Janeiro: Casa da Palavra Produção Editorial, 2007. p.129.
(2) DUARTE, Luisa. O Desvio é o alvo in Arte Bra Marcos Chaves. Rio de Janeiro: Casa da
Palavra Produção Editorial, 2007. p.99.
(3) CANONGIA, Lygia. Vazio e totalidade in Arte Bra Marcos Chaves. Rio de Janeiro: Casa da
Palavra Produção Editorial, 2007. p.87