Retratos (Fernando Gerheim)

 

“Retratos” não é uma exposição de fotografias do rosto humano. São 25 fotografias de esfregões ou “esfregonas”, espécie de vassoura com tiras de pano para esfregar o chão. De cabeça para baixo, com as tiras caídas sobre o cabo, elas lembram rostos: as tiras parecem cabelos caídos sobre os ombros e a estrutura vazada da parte do encaixe do cabo lembra olhos. O jogo simples dessa similaridade é levado às últimas conseqüências pela série. Cada um desses instrumentos de limpeza, todos da mesma espécie, adquire uma personalidade, um penteado etc.. Há neles um chiste visual, uma imagem irreverente como os bigodes que Marcel Duchamp pôs no retrato da Monalisa.

Estas fotografias, como outras anteriores do artista, são um tipo de “objet trouvé”, objetos encontrados elegidos como obras, mas como no caso eles são fotografados, seria melhor dizer “image trouvé”. Numa incursão pelo mercado popular de Dubai, uma espécie de SAARA genuíno, na cidade mais rica e populosa dos Emirados Árabes, Marcos Chaves observou os esfregões, que os comerciantes deixavam secando encostados na parede, ao lado de cada loja, de cabeça para baixo, depois de lavar a calçada. Os árabes a chamam, em inglês, “brooms”, em português vassoura; em Portugal se usa “esfregona”, no feminino, mais adequado ao objeto no contexto desta exposição. As “esfregonas” formavam, para quem passava na rua, dos dois lados da calçada, um “desfile” de máscaras, mas não como as africanas, primitivas, nem árabes, com turbantes. Sua imagem não pretende ilustrar a realidade exótica; ela surpreendeu os próprios comerciantes locais. O artista voltou ao mercado popular e a “anotação” virou a exposição. Em um mundo multiculturalista, esses retratos desconstroem com humor visões estereotipadas do outro. O costume local, que vivencia e modifica o espaço pelo uso, manifestava-se ali. Não são retratos posados, mas “flagrantes”. No lugar de uma etnologia do mundo árabe, eles revelam as mil e uma faces do objeto ordinário.

Completam a exposição três porta-retratos de marchetaria de motivos árabes com fotografias do sol. O jogo entre as “esfregonas” e retratos passa aí para o porta-retratos e a foto, cujo conjunto lembra uma típica paisagem desértica. O trabalho desmascara a representação tanto na arte quanto na cultura através do riso raciocinado, característico da obra de Marcos Chaves.

Novembro 2009.
Fernando Gerheim