Logradouro (Luisa Duarte)
Em Logradouro estamos diante de um trabalho de Marcos Chaves que nos revela o principal procedimento encontrado na construção de sua obra, qual seja, o deslocamento de objetos e imagens do cotidiano para o campo da arte. Chaves é um realizador de proposições artísticas que, através da apropriação ou da intervenção, deslocam significados correntes, banais, convencionais, gerando a aparição de novos sentidos, inesperados, não vistos, não perscrutados. Nesta instalação, de forte impacto sensorial, nos deparamos com a apropriação de fitas negro-amarelas, encontradas nas ruas como código viário utilizado para delimitar espaços e orientar pedestres e motoristas.
Pelas mãos do artista, esta matéria trivial e planar é multiplicada, revestindo todo o ambiente da galeria, ganhando assim uma escala grandiloqüente que antes inexistia. As inversões de Chaves prosseguem: o que tinha como destino original sinalizar, surge aqui como pura vertigem, que antes nos desnorteia e confunde do que orienta. Sua função convencional de demarcar um “a partir daqui não avance”, que pressupõe um espaço existente após dela, desaparece. Pois ao colá-las diretamente nas paredes, Chaves faz das fitas negro-amarelas o próprio limite final. Não há nada depois delas. Elas são o próprio espaço. Sua forma geométrica, que nos remete ao construtivismo, também ganha um desvio, no lugar da ordem e da calma que as obras do nosso principal legado moderno nos evoca, Chaves nos oferece um ambiente extremamente perturbador.
Em Logradouro espaço da galeria e obra se misturam. O espaço é a obra. Mas ao mesmo tempo em que é obra de galeria, Logradouro é também obra pública, dialoga com o que está lá fora, não só por ser toda ela feita de uma matéria utilizada no espaço urbano, mas também pela sensação de vertigem e velocidade que nos proporciona. Nos colocando assim diante de uma experiência perceptiva e temporal com a qual nos deparamos diariamente quando saímos às ruas das grandes cidades pós-modernas, como por exemplo São Paulo, que hoje abriga Logradouro.
Rio de Janeiro, março de 2004