Grandjean de Montigny (Fernando Cocchiarale)

 

O trabalho de Marcos Chaves, embora surgido na década de oitenta, revela preocupações diferentes das de muitos de seus colegas de geração, empenhados na retomada da pintura, e, portanto, na revalorização artesanal enquanto meio de concretização de procedimentos específicos dessa técnica. Inversamente, a produção do artista inscreve-se nas questões do experimentalismo, onde a ideia desempenha papel determinante nos resultados da obra, não privilegiando, por isso mesmo, nenhuma técnica ou suporte, o que implica numa desvalorização relativa do artesanato face ao Projeto, uma vez que a criação da imagem não depende necessariamente de sua intervenção manual.

A instalação agora mostrada é exemplar nesse sentido. Aproveitando-se das particularidades da sala circular do segundo piso do Solar Grandjean de Montigny, Marcos Chaves elaborou uma proposta que discute exatamente a especificidade de seu trabalho. No centro do chão do espaço, situa-se um pequeno cilindro, de metal, de onde sai um foco de luz que projeta na cúpula da sala escurecida, a sombra da cópia da mão do artista, a ela acoplada. A imagem da sombra da mão, remete-nos não só aos primórdios da pintura, quando os homens pré-históricos deixavam nas paredes das cavernas as marcas de suas mãos entintadas pela pintura corporal, como à alegoria da Caverna de Platão.

Essa dupla referência, dá sentido à instalação e à sua própria obra, instaurando uma diferença e uma analogia. Entre a impressão da mão rupestre, indicadora fundamental da manualidade na constituição da espécie humana, e, a mão projetada pela luz alógena no teto da sala, existe o lapso de toda a história da arte. A mão sombra, no entanto é passível de ser articulada à aurora do pensamento racional, tão claramente explicitada pelo platonismo.

Trata-se aqui de uma aparência –a sombra– da aparência –a mão de resina de polyester– distante em três graus da mão do artista, a verdadeira, que intervém não em sua dimensão técnico-artesanal, mas como ícone de uma ideia. Mão que pensa e elabora um projeto a ser executado por outro, distanciando-a da tradição da arte entendida como tekné mimética e aproximando-a das experiências que buscam resolver a imagem de um ponto de vista contemporâneo.

 

Fernando Cocchiarale, 1989