Hommage aux mariages
De título melífluo, Hommage aux Mariages traz à tona uma melodia em comum: a cor amarela.
Ainda que varie na escala, o conjunto de amarelos escolhido pelo artista é o elemento
aglutinante que aproxima os objetos da série. Recém-saído das aulas de pintura no final dos
anos 1980, período conhecido na produção artística sudestina pela aproximação com o
suporte, o artista estabelece um jogo para si e sai à rua em busca da individuação da cor, no
caso, a amarela. De início, uma brincadeira – uma maneira de pensar a pintura além-tinta sobre
tela. Derivadas do seu campo de visão, as composições com os objetos emergiram pouco a
pouco. Foi desse modo, embebido neste estado de atenção, que a ideia se corporificou nas
primeiras peças coletadas, por acaso: duas bolsas amarelas que estavam abandonadas na
calçada em frente a sua casa e duas cadeiras também homocrômicas, encontradas num ferro
velho. A homenagem aos casamentos (Hommage aux Mariages), porém, não diz respeito
somente à união dos objetos através da cor e das relações formais, ela igualmente
circunscreve o plano íntimo dos desejos, tensionando as afinidades eletivas ao declarar que
amar é um elo, amar é o elo.
Yan Braz
Há sempre possibilidade de dupla leitura, duplo significado e, não raras vezes, o artista trabalhou com a conjugação de dois objetos. A idéia do duplo tendo sempre por objetivo criar, a partir de duas coisas, uma terceira.
Toda a série desenvolvida com o título de Hommage aux Mariages (homenagem aos casamentos),1989, parte desse princípio. E nela as significações proliferam. Tentaremos cercar algumas.
Primeiro, o título. O som das palavras, em francês, soa de tal forma semelhante que é quase como se repetíssemos a mesma palavra duas vezes. É uma cadeia sonora única. Duas palavras diferentes e dois sons iguais ressaltam a própria idéia do “casamento”, entendido como a distinção perdida na simbiose. Há ainda na palavra “hommage”, uma remissão à “homme” (homem), assim como “mariage” contém Maria, nome feminino. Hommage aux Mariages, por sua cadeia indistinta de sons, indica, por extensão, a indistinção entre pessoas e a indeterminação sexual. Hommage aux Mariages é, assim, uma homenagem à impossibilidade do casamento, e, nesse aspecto, um tributo a Duchamp e a seu Grand Verre.
Depois, a cor. Todos os trabalhos dessa série, e não foram poucos, são amarelos. A mesma cor, em vários “casamentos”, uniformiza a variedade, indistingue os pares, reduz o duplo a uno.
Em seguida, a natureza dos objetos escolhidos. Exemplos: duas escovas de cabelo de plástico, daquelas redondas de camelô, bem populares, unidas por seus próprios dentes e penduradas do teto; duas cadeiras de comida para bebê, amarradas por fios de náilon; dois aparelhos de barbear, costurados. Objetos da vida diária, inofensivos, vulgares, que adquirem um senso de estranheza incomum, que, de cara, abate a noção da união, do “mariage”, simplesmente por não fazer sentido essa união, nessa situação. No contexto proposto, no “casamento”, os objetos não realizam as funções que vieram desempenhar no mundo. Seria então o casamento uma aberração ? Convenções são aberrações ? Não caberia à arte comentar os despropósitos do mundo, da vida convencional ? A convenção, por princípio, impede o arbítrio, e arte é puro arbítrio, suas decisões dependem de uma vontade. No fundo, como mencionamos acima, o trabalho de Marcos Chaves se opõe ao poder, articula-se de forma a reagir à autoridade convencional, quer seja ela de natureza psicológica ou social, aí entendidas as convenções da própria arte.
Ligia Canongia